quinta-feira, 17 de setembro de 2009

26

Primeiro disparo. De raspão na perna, eu a senti estremecer, tentei chorar de desepero. A mais alva obra-de-arte abrível, já misturada em rubros tons. Mas ela era tão forte, não caiu. Permaneceu fortaleza, deu um passo falhado em minha direção, um braço estendido. Transpirava perseverança, eu via nos seus olhos marejados de dor que ela não ligava em sofrer por essa crença em mim. Choraria com gosto pelo que amava.

Segundo disparo. Ombro ferido. Ela ajoelhou-se segurando o sangue nas mãos. Eu podia sentir o cheiro da tinta pegajosa que gotejava no chão. As suas roupas estavam eternamente manchadas, chamuscadas e úmidas, já não tinham mais salvação. Nem eu. Nem ela. Sabe, nevava. Nenhuma tempestade, só o suficiente para manter congeladas as minhas lágrimas e os meus dedos, impedindo-me de puxar o gatilho. Pausa para a antecipada culpa me consumir, esta que fez-me fitar seus olhos: Tão similares aos meus, armazenavam a vida dela e a felicidade minha. Eu podia assistir nossos melhores momentos refletidos no brilho e nas lágrimas que percolavam os traços delicados. Eu nunca saberei ao certo, mas acredito ter visto um olhar clamante por piedade. Eu conseguia escutar os tão sonoros lábios, ainda que estes permanecessem imóveis. Parecia pedir-me para tomar consciência, para amar-lhe do jeito certo, do jeito que ela fazia...

Terceiro disparo. Ela fechou os olhos de imediato para que eu não pudesse ler mais nada dali. O corpo deitou-se vagarosamente e a pequena espessura branca no chão deu lugar ao rio vermelho que escorria. Larguei a prova do crime ali mesmo, sem medo de ser descoberta, e fiz sentar-me do seu lado. Ela era a minha branca de neve, me pertencia, agora ainda mais. Eu presenciei o último dos suspiros, tranquilo e doce, morte morrida para salvar-me. Ela sabia disso. O silêncio berrava em meus ouvidos; as lágrimas descongelaram, estas me esquentavam e cuidavam de mim. Ainda tive forças para pegá-la nos braços e dizer: 'I need to take her cold body home'.

2 comentários:

Unknown disse...

PORRA, MUITO IRADO, PUDE VER A CENA, VOCE DEU TODAS AS PERSPECTIVAS, AS CORRETAS, O SENTIMENTO, O CHEIRO.... TUDO.
MUITO MUITO BOM.

Fernanda de Alcantara disse...

G-ZUZ, MARIA, JOSÉ! Estou com medo por ter gostado tanto de algo tão psicopatico... :)